O Palhaço
Texto escrito por Jaí Antônio Strapazzon,
especialmente para o Blog Circo News
Olha ao seu redor e
não vê público, onde estão as crianças? Onde está a pipoca, o algodão doce, as
balas? E o fotógrafo? Hei! Olha eu aqui, tira uma foto. Porque o trapézio está
vazio? Onde está a moça loira de pernas de fora? Onde estão os meus ajudantes
os anões? A Mafalda? O pigmeu? Cadê a bandinha, o calhambeque que se desmonta?
Ele quer algazarra, ele quer risos, ele quer alegria, por favor, muita alegria,
crianças rindo, adultos comendo pipocas, ele quer dar falsos tabefes, rolar no
chão, dar cambalhotas. Ele não quer tristeza, ele não quer chorar, ele não pode
chorar, palhaço não chora. Olha ao seu redor, a lona arriada, luzes apagadas,
só o barulho das portas que se fecham e o ronco do primeiro caminhão que começa
a mudança. Com passos lentos, arrastando a fantasia sai em direção ao seu
canto, um velho e apertado trailer onde só cabem ele e os sonhos. Senta-se a
frente do espelho, tem medo de olhar a imagem. Ali, quem lhe contempla é uma
máscara de pintura, cores vivas, alegres e um grande nariz vermelho de
plástico. A medida que a maquiagem vai saindo, vai surgindo um rosto
maltratado, rugas e as impiedosas marcas do tempo. Poucos fios de cabelos
brancos ainda restam, os braços que antes seguravam firme a companheira de trapézio
agora estão fracos.
Sim, ele foi um grande trapezista, encantou gerações com
saltos acrobáticos, a mais de dez metros de altura sem redes de proteção.
Causava arrepios ver aquele corpo rodopiando no ar girando uma, duas, três
vezes, o triplo mortal e encaixar milimetricamente nos punhos do aparador. Como
era bonito ver todos lá em baixo de olhos arregalados, de boca aberta
aplaudindo mais aquela façanha. Ainda guarda as fotos coladas em volta do
espelho. Quando seus braços já não lhe garantiam mais tanta segurança, decidiu
ir embora, mas para onde? Quem é de circo não tem como fixar-se num lugar só,
nosso lugar é o mundo, é o eterno rodar em busca de um canto para erguer a lona
e fazer a alegria de todas as gerações. Falou mais forte a vocação, foi tratador,
eletricista, alimentador de feras, e por fim palhaço. Mas até para ser palhaço
era preciso mais do que vocação, era preciso saber vencer as mágoas, as
desilusões. Ele sabia que tudo isto ficaria oculto sobre a máscara de tintas,
mas o velho coração continuaria a cobrar-lhe tantos esforços, estava só, sem
família, amigos só de profissão, as graças, as piadas as risadas escancaradas
secaram, sumiram.
E ali, em frente ao espelho, rosto desnudo, o velho palhaço
rememorou fases de sua vida. Como relâmpagos flashes coloridos foram passando
frente seu olhos: alegrias, tristezas, desilusões, amores fortuitos. Uma
sonolência, um torpor nos braços, um aperto agudo no peito, e o palhaço quedou.
O coração não resistiu, e frente ao mesmo espelho companheiro de tantas e tão
longas jornadas o velho palhaço adormeceu.
3 comentários:
QUE LINDO O TEXTO! AMEI
gostei, mas o palhaço morreu?
triste, mas verdadeiro
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