sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Especial


O Palhaço

Texto escrito por Jaí Antônio Strapazzon,
especialmente para o Blog Circo News
Olha ao seu redor e não vê público, onde estão as crianças? Onde está a pipoca, o algodão doce, as balas? E o fotógrafo? Hei! Olha eu aqui, tira uma foto. Porque o trapézio está vazio? Onde está a moça loira de pernas de fora? Onde estão os meus ajudantes os anões? A Mafalda? O pigmeu? Cadê a bandinha, o calhambeque que se desmonta?
Ele quer algazarra, ele quer risos, ele quer alegria, por favor, muita alegria, crianças rindo, adultos comendo pipocas, ele quer dar falsos tabefes, rolar no chão, dar cambalhotas. Ele não quer tristeza, ele não quer chorar, ele não pode chorar, palhaço não chora. Olha ao seu redor, a lona arriada, luzes apagadas, só o barulho das portas que se fecham e o ronco do primeiro caminhão que começa a mudança. Com passos lentos, arrastando a fantasia sai em direção ao seu canto, um velho e apertado trailer onde só cabem ele e os sonhos. Senta-se a frente do espelho, tem medo de olhar a imagem. Ali, quem lhe contempla é uma máscara de pintura, cores vivas, alegres e um grande nariz vermelho de plástico. A medida que a maquiagem vai saindo, vai surgindo um rosto maltratado, rugas e as impiedosas marcas do tempo. Poucos fios de cabelos brancos ainda restam, os braços que antes seguravam firme a companheira de trapézio agora estão fracos.
Sim, ele foi um grande trapezista, encantou gerações com saltos acrobáticos, a mais de dez metros de altura sem redes de proteção. Causava arrepios ver aquele corpo rodopiando no ar girando uma, duas, três vezes, o triplo mortal e encaixar milimetricamente nos punhos do aparador. Como era bonito ver todos lá em baixo de olhos arregalados, de boca aberta aplaudindo mais aquela façanha. Ainda guarda as fotos coladas em volta do espelho. Quando seus braços já não lhe garantiam mais tanta segurança, decidiu ir embora, mas para onde? Quem é de circo não tem como fixar-se num lugar só, nosso lugar é o mundo, é o eterno rodar em busca de um canto para erguer a lona e fazer a alegria de todas as gerações. Falou mais forte a vocação, foi tratador, eletricista, alimentador de feras, e por fim palhaço. Mas até para ser palhaço era preciso mais do que vocação, era preciso saber vencer as mágoas, as desilusões. Ele sabia que tudo isto ficaria oculto sobre a máscara de tintas, mas o velho coração continuaria a cobrar-lhe tantos esforços, estava só, sem família, amigos só de profissão, as graças, as piadas as risadas escancaradas secaram, sumiram.
E ali, em frente ao espelho, rosto desnudo, o velho palhaço rememorou fases de sua vida. Como relâmpagos flashes coloridos foram passando frente seu olhos: alegrias, tristezas, desilusões, amores fortuitos. Uma sonolência, um torpor nos braços, um aperto agudo no peito, e o palhaço quedou. O coração não resistiu, e frente ao mesmo espelho companheiro de tantas e tão longas jornadas o velho palhaço adormeceu.

3 comentários:

NATALY disse...

QUE LINDO O TEXTO! AMEI

Anônimo disse...

gostei, mas o palhaço morreu?

Anônimo disse...

triste, mas verdadeiro